Tudo leva a crer
que as mudanças na educação finalmente terão que acontecer, seja pela evolução
da escola atual ou pelo seu colapso. No
entanto, o sistema formal de ensino é um organismo gigantesco e complexo, que
tem seguidamente mostrado dificuldades em incorporar os avanços da ciência e da
tecnologia no seu dia-a-dia no ritmo necessário. É conhecida a piada que diz
que se um cidadão do século XIX viajasse no tempo e viesse parar nos dias de
hoje, a única coisa que ele reconheceria sem dificuldades seria a sala de
aula...
Enquanto isso, o
mundo caminha a passos largos para um futuro onde a capacidade de digerir e
apreender grandes quantidades de informação será tão fundamental quanto a
capacidade de ler e escrever é hoje em dia. Para tornar a situação um pouco
mais complicada, a quantidade de dados novos sendo gerada a cada instante pela
humanidade tende ao infinito. A cada minuto, nós produzimos mais informação do
que é humanamente possível consumir em um ano. Ou seja, precisamos saber
aprender muito, e rápido.
Mas enquanto
isso não acontece, o que nós -- filhos dos últimos suspiros do sistema
educacional "industrial" -- fazemos para lidar com esse
"admirável mundo novo"?
A resposta está
na busca da autonomia cognitiva: precisamos
aprender a aprender sozinhos ou com bem pouca ajuda. As gerações atuais não
podem se dar ao luxo de esperar que os educadores passem a ser realmente mais
um auxílio e menos um empecilho a nossa aprendizagem. Em outras palavras,
precisamos ser autodidatas e construir nossos próprios caminhos de
aprendizagem.
O primeiro passo
nessa direção é entender como nossos cérebros aprendem, e, a partir desse
conhecimento, criar para nós mesmos as condições que a escola de hoje não
consegue proporcionar para aprender de forma eficiente e eficaz. Mas em que a
neurociência contemporânea pode ajudar neste desafio de nos tornarmos os nossos
próprios educadores?
Um
pouco de história
A década de 90
ficou conhecida como a década do cérebro, e a principal responsável pelo início
daquela que foi uma verdadeira revolução no conhecimento desta pequena
maravilha que temos entre as duas orelhas foi invenção da ressonância magnética
funcional (RMF). Capaz de registrar o funcionamento do cérebro em imagens, e
sem a necessidade do uso de radiação, a RMF tornou possível o estudo extensivo
e ao vivo de cérebros saudáveis, enquanto as pessoas realizavam diferentes
atividades cognitivas.
Não demorou
muito para que educadores e pessoas interessadas em aprendizagem se
interessassem pelas novidades que estavam sendo descobertas todos os dias nos
laboratórios dos neurocientistas. Afinal, o sistema educacional no mundo todo
já dava sinais da imensa crise que atravessa hoje, e era natural que se
começasse a procurar saídas.
A seguir, são
discutidas algumas das principais descobertas da neurociência que afetam
diretamente a aprendizagem. Em seguida são apresentadas algumas ideias de como
pessoas autodidatas podem utilizar esses conhecimentos para aprender mais e
melhor por conta própria.
Sinto,
logo existo
Está cada vez
mais claro que as emoções afetam diretamente e de
forma mensurável a capacidade de aprender.
Esta descoberta que não chega a surpreender, já que confirma aquilo que qualquer
aprendiz já sabe por experiência própria: estudar irritado com a discussão
havida ontem com o colega de trabalho não funciona muito bem. Nesse caso, é
melhor usar os neurônios buscando soluções para o problema, para depois retomar
o estudo com mais foco e concentração.
Mas é possível
ir um pouco além do óbvio aqui: a relação entre emoções e
capacidade de aprendizagem deixa claro que uma vida equilibrada é fundamental
na conquista da autonomia cognitiva.
Estudar horas a fio e deixar outros aspectos importantes da vida sem a devida
atenção normalmente é menos eficiente
que estudar por um tempo menor. Claro, supondo que usamos o restante do tempo
para garantir as condições psicológicas necessárias para nos concentrarmos
naquilo que estamos tentando aprender.
Formação
da Memória
Apesar da
má-fama da tenebrosa "decoreba", o fato é que sem memória, não há
aprendizagem. A diferença é que a "decoreba" é a memorização mecânica
e sem significado, que se perde rapidamente após alguns dias. Já uma
boa memória de longo prazo (MLP) é essencial para aprendizagem e se constrói
através de associações significativas com aquilo que já se conhece, além de repetições que reforcem a rede neuronal
responsável por essas novas associações.
Uma das
descobertas de aplicação prática mais imediata nesta área é o papel fundamental
do sono na consolidação da MLP. Ou seja, dormir mais tarde para estudar pode
não estar sendo tão proveitoso quanto você imagina: você pode até estudar mais
tempo, e eventualmente aumentar a sensação de "dever cumprido", mas
na prática acaba aprendendo menos.
Outro fator
fundamental para uma memorização eficiente é o intervalo entre as repetidas
exposições à mesma informação. A consolidação da memória é, essencialmente, um
processo químico, e como tal, não acontece instantaneamente. Ao contrário, as pesquisas
mostram que é preciso um intervalo de tempo significativo para uma certa
quantidade de informação "assentar" nos nossos neurônios. Esse "assentamento" se traduz
concretamente no engrossamento da camada de mielina que recobre o caminho
neuronal recém-formado. E quanto mais mielina em uma rede de neurônios, mas
rapidamente a informação trafega nesse caminho, e menos esforço é necessário
para nos lembrarmos das informações contidas nele.
Experimentos práticos
com estudantes como os da “aprendizagem
espaçada” (link) mostram que intervalos em torno de 10 minutos entre sessões
de estudo podem multiplicar muitas vezes a eficiência da memorização de grandes
quantidades de informações.
Em resumo, para
termos uma boa memória (e portanto aprender mais) precisamos revisar as novas
informações em intervalos regulares e dormir tudo o que o nosso cérebro tem
direito.
Para
aprender, tem que se mexer!
Neste item, as
escolas estão totalmente na contramão da ciência. A movimentação do corpo
aumenta o fluxo sanguíneo no cérebro, melhorando a sua nutrição e oxigenação, o
que comprovadamente melhora a aprendizagem. Ou seja, do ponto de vista do nosso
cérebro, as famigeradas filas de carteiras apertadas onde os estudantes são
obrigados a ficar sentados por horas a fio estão bem longe de representar o
cenário ideal para a aprendizagem.
Isso também vale
para aquela escrivaninha em que passamos horas e horas sem sequer levantar para
beber água. Além de não dar os intervalos necessários para a formação da
memória, essa situação pode, literalmente, deixar seu cérebro dormente!
A incorporação
dessa informação na nossa vida de autodidatas pode ser feita sob dois pontos de
vista: um deles é a prática de exercícios regulares. O outro é a movimentação durante pelo
menos alguns dos nossos períodos de estudo. Ou
seja, por incrível que pareça, aquela caminhada no parque que você faz ouvindo
uma aula gravada pode ser bem mais produtiva que ouvir o mesmo material na
própria sala de aula ou deitado no sofá. Não só porque você está aproveitando o
tempo, mas também porque o seu cérebro está em melhores condições de capturar a
informação.
Neurogênese:
nunca é tarde para aprender
As descobertas
mais festejadas dos últimos anos giram em torno da neurogênese, o processo de
formação de novos neurônios. Até bem pouco tempo atrás, acreditava-se que
neurônios só eram formados durante a infância. Mas hoje, está comprovado que a
neurogênese ocorre durante toda a vida. Na
vida adulta, ela se concentra em uma área do cérebro chamada de hipocampo, que
é justamente onde a memória de longo prazo é formada. Ora, se aprender é
armazenar informações significativas na memória de longo prazo, a consequência
é óbvia desse fato é: podemos sim, aprender coisas completamente novas a partir
de qualquer idade. As universidades da Terceira Idade estão aí para comprovar.
Neuroplasticidade:
nem tudo está perdido
Atualmente
sabe-se que, além de formar novos neurônios, o cérebro é capaz de modificar a
sua estrutura em qualquer momento da vida. Novas conexões entre os neurônios
são formadas o tempo todo, e redes cerebrais inteiras podem literalmente
"migrar" de um lugar para o outro em caso de necessidade.
A
neuroplasticidade significa que grande parte dos danos físicos que podem acontecer ao cérebro tem boas
chances de ser recuperados com “re-treinamento” da pessoa para as funções
afetadas, que passam pouco a pouco a ser controladas por outras regiões
diferentes daquelas originalmente utilizadas. É o caso de pessoas que ficam
cegas e passam a usar o córtex visual para funções de tato, por exemplo.
A palavra-chave
do parágrafo anterior é "re-treinamento". Quando estamos falando de
aprendizagem, a neuroplasticidade comprova a nossa capacidade virtualmente
ilimitada para aprender coisas novas, mesmo em áreas onde a pessoa inicialmente
não tenha uma grande habilidade previamente desenvolvida.
Em termos
concretos, a neuroplasticidade significa que é possível sim -- através do
treinamento consistente -- aprender uma segunda língua depois de adulto ou
tornar-se proficiente em leitura ou matemática mesmo com um histórico de
dificuldades nessas áreas. A esse
"treinamento consistente", dá-se o nome de prática deliberada,
expressão que se consagrou e popularizou nos últimos anos com a publicação do
livro "Fora de Série", de Malcom Gladwell, seguido depois por vários
outros autores.
Os
três pilares
Da discussão
anterior é possível resumir três grandes pilares para um autodidatismo
competente e eficiente:
· ter
uma vida equilibrada - física e emocionalmente
· estudar
sempre, revisando de forma intervalada
· fazer
uso de técnicas de prática deliberada para consolidar novos conhecimentos e
habilidades
É importante
ressaltar que esses pilares -- aparentemente simples -- não são técnicas de “autoajuda”
baseadas em casos isolados e sem comprovação. Na verdade, eles são derivadas
diretamente das mais recentes contribuições da neurociência para a
aprendizagem. Vale, portanto, prestar um pouco mais de atenção a eles.